quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Em breve...
Especial do DCE Woodstoock!
Globo e Record: tudo a ver com o poder
Cada um fala a verdade do outro.
Wilson H. Silva
da redação do Opinião Socialista

Há semanas, o sempre “pouco respeitado” público tem acompanhado uma disputa envolvendo, por um lado, a Rede Globo e, de outro, a Record.

A “briga” entre os canais de TV envolve lances de corrupção, golpes baixos vindos dos dois lados e horas e mais horas de “reportagens” colocadas no ar pelas duas rivais.

É um caso exemplar da absurda situação criada em função das espúrias e hipócritas relações que os órgãos de imprensa e a mídia em geral mantêm com o poder brasileiro. Situações que também estão chegando à população de forma tão distorcida como a realidade geralmente mostrada e representada por esses órgãos.

Muitos afirmam que se trata apenas de uma “guerra por audiência”.

De fato, a Globo está incomodada com a concorrência da Record. Afinal, estamos falando, literalmente, de milhões de reais investidos diariamente pelo mercado publicitário em função da promessa de retorno apontada pelos índices do Ibope. Só para se dar uma ideia do que estamos falando, basta dizer que um intervalo de 30 segundos no chamado horário nobre (entre 20 e 22 horas) custa algo em torno de R$ 300 mil.

Contudo, isso é apenas a superfície de algo muito mais complicado. São brigas entre setores que, na verdade, têm tudo a ver um com o outro.“Uma guerra privada com armas públicas”O subtítulo, emprestado de uma matéria publicada no site da revista “Caros Amigos” no dia 21 de agosto, resume bem o que realmente está acontecendo. Como afirma o repórter Rodolfo Viana, não há “mocinhos” nessa história e “também não há mentiras nos ataques de uma contra a outra: os Marinho sempre tiveram uma relação espúria com o poder e a Record, uma interação promíscua com a Igreja Universal do Reino de Deus. Mas o problema central nessa guerra é que estão guerreando com armas alheias. Estão guerreando com armas públicas”.

O centro da crítica da “Caros Amigos” é um fato inquestionável: canais de TV são concessões públicas, que deveriam atender aos interesses da população. O que temos visto é uma disputa motivada pelos lucros e interesses do punhado de gente que controla essas redes. Uma briga que está sendo utilizada por ambos os lados para aumentar ainda mais o volume de seus cofres.No “vale-tudo” armado pelas duas emissoras, não há “golpe” que seja proibido. A Record está exibindo partes do documentário “Além do Cidadão Kane”, produzido por um canal de TV britânico depois do escândalo envolvendo a montagem que a Globo fez do debate entre Lula e Collor, nas eleições de 1989, beneficiando claramente o segundo (atual amicíssimo de Lula, Sarney e demais comparsas).A Globo também tem de tudo. Além de “montar” reportagens em seus principais noticiários para cutucar a concorrente, a emissora prepara-se para atacar numa área em que é reconhecidamente eficaz: a ficção. Já está definido, por exemplo, que na próxima edição de “Ó Pai, Ó”, os personagens evangélicos do seriado se envolverão com corrupção e desvio de dinheiro da igreja.

Mansões e templos habitados pelo poder

Apesar do clima de “barraco” que tem cercado a disputa, o que temos visto é algo como dois latifundiários que ficam mudando a “cerca” de sua propriedade para “roubar” terras um do outro.O problema para a maioria da população é que o simples “mover de cercas” não significa que o terreno ficará livre para outros. Muito pelo contrário. Nessa briga, o “terreno”, ou seja, a própria sociedade, só muda de mãos, ficando sempre submetida à lógica do mercado, da ideologia dominante e seus valores degenerados e da distorcida visão de mundo que nos é apresentada pelos meios de comunicação. Como costumam dizer os teóricos marxistas da comunicação, os órgãos da imprensa e da mídia não mandam diretamente na sociedade (como muitos acreditam, ao dizerem, por exemplo, “que a Globo faz e desfaz presidentes”), mas são importantes agentes do poder. Por exemplo, desempenham um importante papel nos processos eleitorais. E não há dúvida de que esse “serviço” será cobrado a peso de ouro em 2010.Mas são como “espaços” habitados pela burguesia, que detém o poder através da propriedade das indústrias, bancos, fazendas e negócios que financiam o mercado publicitário e, consequentemente, controlam o que é levado ao público e a forma como isso deve ser feito.Como não poderia deixar de ser, essas “mansões” ou “latifúndios” dividem-se entre diferentes setores da burguesia. No caso brasileiro, em que as concessões são dadas pelo Congresso, não é de se espantar que a maioria dos “proprietários” seja de famílias de políticos tradicionais, como os Sarney (Maranhão), os Barbalho (Pará) e os Magalhães (Bahia). Mas também sobra espaço para a instalação de outros setores, principalmente de instituições auxiliares do poder como as igrejas, tanto católicas como protestantes. Aproveitando-se da fé da população, essas instituições se encastelaram em emissoras de rádio e TV para, com dinheiro público, fazer propaganda de seus interesses e encher os bolsos de seus proprietários, charlatães de todos os tipos, sejam eles orientados pelo Vaticano ou pelos templos evangélicos, como Edir Macedo, os bispos da Renascer ou qualquer outro.

Por uma “reforma agrária no ar”

A única forma de pôr fim a essa história é com a democratização dos meios de comunicação, o fim do monopólio, da propriedade cruzada (os mesmos grupos e famílias detêm o monopólio da informação, contando com a posse de rádios, televisões, jornais, sites, etc) e das concessões de cartas marcadas.

Algo que já foi defendido pelo PT, a CUT, a UNE e outras entidades dos movimentos sociais que, hoje, não só abandonaram essa luta, como também vivem uma promíscua relação com os Marinho, a Universal e demais representantes da mídia.

Enquanto meia dúzia de famílias e grupos continuarem a ter o monopólio dos meios de comunicação, a população continuará como vítima de suas manipulações. E também seguirá essa divisão sem sentido, pois, afinal, não estamos diante de uma briga entre o “padrão global” e a “ousadia da Record”, muito menos entre católicos e evangélicos.Uma disputa acirrada pelas consequências da crise, que os obriga a serem mais ferozes nas suas investidas sobre o público que, infelizmente, continua sendo a principal vítima dessa situação lamentável.
Quanto vale a cultura?

Cristiano Nery, de São Paulo (SP)*

• Uma grande festa, que contou com personalidades artísticas como Zezé Motta, Chico César, Fafá de Belém, Bruna Lombardi, Tetê Espínola entre outras, foi feita no dia 23 de julho para comemorar a assinatura do Projeto de Lei que cria o vale-cultura. Os mestres de cerimônia foram o presidente Lula e o ministro da Cultura Juca Ferreira.O projeto tem o intuito de criar um vale no valor de R$ 50 para que os trabalhadores utilizem na compra de CDs, DVDs, livros, ingressos de teatro, cinema, museus, shows etc. O governo anunciou que o vale-cultura movimentará em torno de R$ 7,2 bilhões por ano no consumo cultural e atingirá aproximadamente 12 milhões de trabalhadores.Quem esta festejando o vale-cultura?O governo Lula vem fazendo uma megacampanha de que a crise passou, apoiado no fôlego que a economia ganhou em relação aos meses dos três últimos trimestres. Com isso, tem se vangloriado com as medidas que vem tomando para sair da crise. A principal delas foi dar aproximadamente R$ 300 bilhões para as grandes empresas e bancos.Não é de se admirar que, depois de isentar as montadoras do pagamento de parte do IPI (Imposto Sobre Produtos Industrializados) e dos impostos da chamada linha branca de eletrodomésticos, agora o governo queira dar para a indústria cultural aproximadamente R$ 2,7 bilhões por ano em isenções fiscais através do vale-cultura. É importante lembrar que quem está por trás da indústria cultural e receberá isenção fiscal são os grandes bancos como Itaú e Bradesco e grandes empresas como Vale, Fiat, Mercedes, entre outras que se enquadram na tributação do Imposto de Renda baseado no Lucro Real, ou seja, aquelas que têm uma receita total superior a R$ 48 milhões. Essas empresas poderão ficar isentas de até 1% do Imposto de Renda devido.Lula vem seguindo a mesma política dos governos anteriores de ajuda às empresas dando dinheiro através da renúncia fiscal. Empresas estas que estão demitindo vários trabalhadores e usando todos os artifícios para preservar seus lucros. Não é por outro motivo que o governo enviou o projeto para o congresso em regime de urgência, inclusive separado da reforma da Lei Rouanet, que está emperrada no gabinete do Ministério da Cultura (Minc) por conta das polêmicas em torno do projeto.Mas o trabalhador não vai ser beneficiado?Logo de cara, as pessoas estão achando o vale-cultura muito bom para o trabalhador já que, assim, enfim eles terão acesso à cultura. Só que, independentemente da aparência e da campanha que Lula e Juca Ferreira vêm fazendo, o trabalhador vai sair muito prejudicado com ele.O vale-cultura, assim como os outros vales – transporte, alimentação etc. – causam uma distorção no salário do trabalhador, uma vez que, nesses benefícios, não incidem INSS, FGTS, 13º, um terço de férias e outros benefícios ao qual o trabalhador tem direito. Seus efeitos só serão sentidos quando o trabalhador for sacar o FGTS, receber o 13º e um terço de férias no fim do ano e for se aposentar. Só então perceberá que os seus direitos diminuíram bastante, por que ele não receberá os valores correspondentes aos vales.Isso reduz também os impostos das empresas já que os valores investidos nos vales não têm incidência de impostos. Na hora da negociação salarial, serão levados em consideração os R$ 50 do vale-cultura, mesmo que de forma distorcida como parte do salário dos trabalhadores pressionando para que os reajustes do verdadeiro salário sejam menores.Como se não bastasse tudo isso, de acordo com o projeto, os trabalhadores que recebem até cinco salários mínimos terão de pagar 10% (R$ 5) por mês, e os que recebem acima de cinco salários vão pagar de 20% a 90%.Além das questões econômicas, o governo diz que com o vale-cultura existirá a democratização da cultura com cerca de 12 milhões de trabalhadores tendo a chance de ter acesso a ela, o que mudaria o número do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de que 86% da população brasileira não vai ao cinema regularmente, 83% não compra livros, 96% não frequenta museus, 93% nunca foi a uma exposição de arte, 78% nunca assistiu a um espetáculo de dança e mais de 75% dos municípios não têm centros culturais, museus, teatros, cinemas ou espaços culturais multiuso.Só que não existe nada que comprove isso, já que o vale-cultura pode ser tratado como os outros vales que os trabalhadores normalmente trocam por dinheiro para poder complementar a sua renda. Além disso, uma parte dessas 12 milhões de pessoas, que receberão o vale-cultura já consome alguns produtos culturais e só substituirão uma parte do dinheiro pelo uso do vale. Como o leque de produtos que podem ser comprados com o vale é muito abrangente, parte deles já são comprados, e só mudará a forma de pagamento.A pergunta que fica no ar é: o que acontece com os trabalhadores que não têm carteira assinada? E os que trabalham para pequenas empresas que não se enquadram no Lucro Real (que é o caso da maior parte dos trabalhadores)? E R$ 50 são suficientes para toda família? O trabalhador terá fácil acesso? São perguntas que o governo e seu projeto não respondem. Mas as propostas do movimento dos trabalhadores da cultura podem responder esse questionamento.Consumo culturalÉ bastante nítido o quanto vem avançando a mercantilização da cultura, o quanto vem se ampliando a concentração e o fortalecimento da indústria cultural que é a quem cabe a maior parte da produção cultural junto com alguns grandes produtores. Por isso, a lógica predominante é a do capital que tem o intuito de produzir o que dê lucro, fazendo com que a produção de enlatados se torne a regra em detrimento das produções culturais e artísticas de qualidade.O vale-cultura aprofunda a lógica mercantilista e de mediocridade cultural, pois os maiores beneficiados serão os grandes empresários que controlam a produção cultural. Eles são, na maior parte das vezes, os mesmos que terão isenção de impostos, já que boa parte dos cinemas, casas de shows etc. pertencem a fundações ligadas a grandes bancos e empresas como Itaú, Bradesco, HSBC, Unibanco, entre outros. Apesar de ganharem rios de dinheiro, ainda têm a cara-de-pau de cobrar ingressos caríssimos que, mesmo com o vale-cultura, continuarão sendo uma barreira para que o trabalhador tenha acesso.Essa lógica mostra o quanto é mentirosa a afirmação do governo de que o trabalhador vai escolher o que vai consumir já que os produtores terão de produzir o que agrade aos consumidores, diferentemente do que acontece com a Lei Rouanet, em que os departamentos de marketing decidem o que vai ser produzido. Na prática isso não vai acontecer, porque quem vai continuar produzindo são os mesmos grandes empresários e produtores de sempre. Restará para os trabalhadores simplesmente optar pelo menos pior. Percebesse que, em vez de caminharmos para uma maior democratização cultural, estamos dando passos cada vez mais largos em direção a uma ditadura cultural do capital.Uma solução simplesPara os trabalhadores da arte – escritores, dançarinos, músicos, atores etc. – é muito fácil e nítido o cálculo da equação “financiamento = acesso à cultura de qualidade”. Basta que, ao invés de o governo destinar toda esta verba para as empresas, disponibilize toda ela diretamente para os trabalhadores da arte.Se calcularmos a partir de tudo que foi exposto até aqui, poderemos perceber que o governo arcará com muito mais que R$ 2,7 bilhões, se levarmos em consideração o que as empresas vão ganhar com isenção fiscal e com o que vão deixar de pagar de impostos com aumento de salário, já que o vale-cultura pressiona para que o aumento seja menor. Se nessa soma adicionarmos R$ 1,3 bilhões da Lei Rouanet e mais R$ 400 milhões de outros gastos e projetos, atingiremos uma cifra de quase R$ 5 bilhões. Esse será o maior valor já disponibilizado para a cultura no Brasil. Só que esse montante acaba indo parar nos bolsos das grandes empresas e bancos, da indústria cultural e dos grandes produtores.Agora, imaginemos R$ 5 bilhões sob controle dos trabalhadores, investidos em programas culturais como: produção e distribuição de livros; produção de filmes, construção de cinemas e estúdios de filmagens; produção de peças, espetáculos de música e dança, construção de teatros e arenas de circo; produção de estúdios, espaços para shows e eventos de música; investimento em faculdades e escolas de artes públicas e gratuitas; valorização da cultura popular e de vanguarda; programas de desenvolvimento de novas tecnologias e educação; dentre outros.Isso sim possibilitaria o acesso inclusive gratuito dos trabalhadores e do povo pobre independentemente de ter ou não carteira assinada, em cifras infinitamente superiores inclusive à meta de R$ 12 milhões do governo. Sem contar o avanço da qualidade das produções culturais, pois a lógica deixaria de ser produzir o que dá lucro e sim o que faz avançar o conhecimento do ser humano sobre si e o que lhe rodeia, sobre o que desenvolve as potencialidades humanas e sua interpretação da realidade. Para isso, é preciso uma produção livre e independente que só pode ser garantida se for com o controle dos trabalhadores, em que o papel do Estado seria o de financiador.Possibilitaria, também, que os trabalhadores da arte pudessem viver da arte, se dedicando a ela cada vez mais, diferentemente do que acontece hoje, em que os trabalhadores da cultura são tratados como vagabundos, como pessoas que não têm emprego. Na maioria das vezes, no entanto, eles têm de se matar vendendo a sua força de trabalho por uma remuneração miserável para poder se manter. Isso faz com que a grande maioria ganhe a vida em outra profissão. Só poucos conseguem sobreviver, justamente porque um punhado de privilegiados globais concentra a maior parte dos financiamentos por estarem totalmente adaptados à arte comercial e ligados à indústria cultural.Apesar de a maioria dos trabalhadores da cultura ainda acreditarem que o governo Lula e o ministro da Cultura estão tentando melhorar a cultura no Brasil, o que se vê, na prática, é que a postura deles tem sido de defender e ajudar, de todas as formas possíveis, inclusive financeiramente, os ricos. Lula e o PT mudaram de lado e se dispuseram a administrar o estado burguês da melhor forma possível para os patrões. É justamente isso que explica a doação de dinheiro às empresas enquanto a cultura se despedaça com a banalização e mediocridade imposta pela mercantilização.A luta pelo avanço da cultura passa pela luta também contra o governo e suas medidas neoliberais. Por isso, os trabalhadores da arte, como os que estão reunidos no Movimento 27 de Março (M27M) têm de levantar bem alto a bandeira do financiamento público para cultura. Isso passa por não aceitar nenhuma medida de qualquer governo no sentido de repassar para empresas dinheiro público da cultura, seja através de isenção fiscal, seja de qualquer outra forma.O financiamento público é muito importante para o desenvolvimento cultural, mas nós queremos mais que isso. Nós queremos o defende o Coletivo dos Artistas Socialista (CAS), que é toda liberdade em arte e que, para isso, é preciso derrubar essa estrutura social podre e construir outra sociedade, uma sociedade socialista.

*Cristiano Nery faz parte do Grupo de Teatro Trabalhadores da Arte, do Coletivo de Artistas Socialistas (CAS) e do Movimento 27 de Março