quarta-feira, 19 de maio de 2010

Manifesto do palco sem teatro

Olá, meu nome é Teatro de Arena Carvalho Netto. Sou um palco onde não se pode fazer teatro. Essas e outras contradições me fizeram romper o silêncio...

Vamos começar do começo... Eu nasci na metade do século XIX como uma guarita de onde se vigiava os loucos do Hospício Pedro II.



Este hospício passaria a se chamar Hospício Nacional dos Alienados a partir de 1890, nome que perduraria até meados do século XX.



Esses corredores testemunharam muitas loucuras...



Por aqui passaram personagens ilustres como João Cândido Felisberto, o "Almirante Negro", líder da Revolta da Chibata, que ficou maluco ao ver seus companheiros serem mortos na Ilha das Cobras.



Eram bons tempos aqueles... A Baía de Guanabara era limpa, sair na rua não era tão perigoso e as crianças respeitavam os mais velhos...



Saudosismo à parte... Em 1944 o prédio do Hospício Nacional passaria para a Universidade do Brasil... E eu fui transformado no Teatro de Arena, e assim sou conhecido desde então. A partir daí testemunhei acontecimentos importantíssimos, na área da cultural e da política...

Em vinte e dois de setembro de 1959 recebi Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Nara Leão para o lançamento do disco de João Gilberto “Chega de Saudade”. No ano seguinte, mais precisamente em vinte um de maio, eles voltariam, junto com outros nomes da Bossa Nova, para a “Noite do Amor, do Sorriso e da Flor”:



Mas logo viria uma noite sem amor sorriso e nem flor, noite essa que perduraria 20 anos. Era o golpe militar... Que faria barbáries aqui na Praia Vermelha. Mas os estudantes resistiam. Em 1968 e 1969 eu fui palco de intensas discussões, assembléias e manifestações contra a ditadura, algumas duramente reprimidas.

Minha história é longa, portanto serei sucinto. E política hoje em dia é um assunto que cria muita aversão, por isso me restringirei à cultura... Vamos para 2009. Em novembro um grupo de estudantes do Centro Acadêmico Stuart Angel, da economia, tentou construir um projeto de cinema chamado “Cinema na Arena” As congregações que se dizem responsáveis por mim não autorizaram. Os jovens estudantes, cientes da minha vocação cultural, insistiram no projeto, e conseguiram autorização para a realização de uma sessão de cinema mudo, exibindo o filme de Chaplin “Luzes da Cidade” (Chaplin se encontrava sentadinho aqui no cartaz de divulgação):



Os que se diziam responsáveis por mim restringiam qualquer atividade que eventualmente pudesse vir a prejudicar as atividades acadêmicas. Cinema nem pensar... Muito barulho.

E eis que um desfile de moda quebra o silêncio por aqui. Em novembro de 2009 fui obrigado a sediar um desfile da grife “Daspu”, com som alto e coquetel de bebidas... O discurso que proibira os jovens estudantes de economia de fazer cinema rapidamente desaparecia... “Foram ordens de cima” explicou o dirigente da FACC, responsável pela não autorização do projeto de cinema.

No mês seguinte um show de Jorge Mautner, no lançamento da terceira edição da revista Versus, confirmaria que meu destino depende de quem está organizando, e não das características do evento. Um desfile de moda com som auto ou um show de samba atrapalham muito mais as atividades acadêmicas do que uma sessão de cinema. Qual é o critério para autorizarem meu uso? “Ordens de cima”?

É por isso que resolvi me manifestar! Quero ser protagonista no cenário cultural da UFRJ e com isso do Rio de Janeiro! Nesse primeiro semestre de 2010 presenciei reuniões de estudantes onde se discutiu a realização de um concurso de esquetes que terminaria em uma apresentação de teatro, e de um evento em homenagem ao centenário de nascimento de Noel Rosa, que eu poderia sediar... E eu quero sediar! Sei que tenho vocação para a cultura!

Já vi passarem por aqui muitos loucos, e hoje em dia loucura é a forma como sou administrado! Presenciei a resistência de estudantes e é a eles que destino esse manifesto. Quero voltar a ser palco de apresentações musicais e de teatro. Creio que cabe aos estudantes me ajudarem nessa luta. E para isso é preciso deixar de ser platéia e atuar. Tudo que eu mais quero é ser o palco!

sábado, 1 de maio de 2010

Dica cultural: Os EUA X John Lennon


Um beatle enfrenta o poder do Império

“Os EUA X John Lennon” mostra o lado político e militante do cantor inglês

• No início de abril chegou tardiamente às telonas do país o documentário “Os EUA X John Lennon”, produzido em 2006 e exibido na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo no ano seguinte.

O filme mostra uma faceta bem menos conhecida do então ex-líder dos Beatles: seu ativismo político na luta contra a guerra do Vietnã e em defesa dos direitos civis. Como o nome do longa sugere, o cantor desatou e teve de enfrentar a dura reação do governo norte-americano.

Mundo em efervescência
O documentário foca o período que vai de 1966 a 1976. Enquanto na Europa explodia o Maio francês, os EUA assistiam a emergência dos movimentos de luta pelos direitos civis. A guerra do Vietnã, que nunca fora popular, provocava um amplo movimento de rechaço principalmente entre a juventude norte-americana.

E em meio a tudo isso, John Lennon, que abandonava a banda que o fizera famoso, não teve dúvidas. Junto com Yoko Ono, o inglês filho da classe operária como sempre fazia questão de ressaltar, se mudou para o epicentro daquele turbilhão que passava pelas ruas dos EUA: Nova Iorque. Abraçava, assim, o ativismo político.

Enquanto seus antigos companheiros aproveitavam a fortuna que haviam acumulado nos anos de estrelato, Lennon se politizava cada vez mais. Aproximou-se de ativistas políticos como Bobby Seale, líder dos Panteras Negras. Integrou-se numa campanha pela libertação do ativista John Sinclair, preso ao oferecer dois baseados a policiais disfarçados.

O longa mostra como o beatle, extremamente consciente de sua influência e da força de sua imagem, a utilizou na luta contra a guerra e na campanha pelas liberdades democráticas no país. Arrebanhando uma legião de seguidores e oferecendo uma trilha sonora para as mobilizações, Lennon logo provocou a reação do conservador governo Nixon.

Perseguição
Com depoimentos de Yoko e intelectuais como Tariq Ali, Noam Chomski, Gore Vidal, entre outros, incluindo um ex–agente do FBI, o filme reconstrói o episódio em que Lennon enfrentou a ira do governo da maior potência do planeta.

Nixon ficava cada vez mais preocupado com a aproximação de Lennon com ativistas, e o seu crescente engajamento. “Ele por si só não era um problema, mas ao apoiar gente que queríamos colocar na cadeia, ele passou a representar um problema”, sintetiza o ex-agente do órgão de informação.

O governo logo colocou espiões do FBI no encalço do artista, tentando intimidá-lo de forma ostensiva. Assim, o governo norte-americano expunha a hipocrisia de sua tão propalada “democracia”, a mesma que diziam estar defendendo ao apoiar militarmente a monarquia ditatorial do Vietnã do Sul.

Após fazer uma devassa na vida do cantor, o governo descobriu que Lennon havia sido detido anos antes na Inglaterra por posse de drogas. Foi o pretexto para que o governo Nixon desatasse uma tentativa de deportar o casal problemático, numa batalha jurídica que se arrastou por anos.

Intercalando depoimentos atuais com imagens e entrevistas da época, o documentário mostra que a luta política de Lennon ia bem além do pacifismo hippie. Interessante notar, por exemplo, como o beatle se referia aos militantes no período como “revolucionários”.

“Os EUA X John Lennon” mostra não só a hipocrisia do governo e as intervenções militares que promovia em várias partes do mundo, e aqui a comparação com o governo Bush e até mesmo Obama são inevitáveis, mas discute também a potencialidade da arte unida à força de uma ideia, perigo que os EUA sabiam muito bem o que representava.

Ficha Técnica
Diretor: David Leaf, John Scheinfeld
Elenco: Depoimentos de: Walter Cronkite, Mario Cuomo, Angela Davis, G. Gordon Liddy, George McGovern, Yoko Ono, Geraldo Rivera
Produção: Brad Abramson, Kevin L. Beggs
Roteiro: David Leaf, John Scheinfeld
Fotografia: James Mathers
Duração: 99min
Ano: 2006
País: EUA