segunda-feira, 19 de maio de 2008

CINEMA '68

CINEMA

Para ver e rever 68
Dicas do Professor da USP Wilson H. da Silva



O cinema sempre mantém um complexo reflexo com a realidade. “Espelhos” distorcidos daquilo que se passa nos corações e mentes, ruas e encruzilhadas de uma sociedade, os filmes sempre servem como fontes extremamente interessantes sobre uma época. Tanto da época em que ele foi produzido quanto da época em que ele retrata.Por isso, as dicas abaixo se dividem em duas partes. A primeira traz os filmes que estavam sendo vistos em 1968 ou foram produzidos sob o impacto de seus ventos rebeldes. Filmes que não só refletem aquele contexto como também mantiveram um importante diálogo com a juventude da época, na medida em que colocavam diante de seus olhos profundos questionamentos sobre a realidade, o comportamento e tudo mais que estava sendo debatido e combatido nas ruas mundo afora.A segunda traz filmes que, produzidos nas décadas posteriores, voltam-se para aquele período, sempre marcados pelas contradições existentes no momento em que foram produzidos.


O que se via em 1968

2001: uma odisséia no espaço (EUA, 1968)
Considerado, com justiça, um dos melhores filmes de ficção científica de todos os tempos, o filme foi dirigido, em 1968, por Stanley Kubrick. Baseado em duas obras de Arthur C. Clarke, o filme é “ousado” em todos os sentidos. Desde sua estranha forma (em seus 139 minutos, há apenas 40 diálogos) e inovadores efeitos especiais até sua intricada narrativa que analisa a evolução do Homem, desde os primeiros hominídeos capazes de usar instrumentos, até a era espacial e para muito além disso, num futuro onde o computador HAL (possível menção à IBM, cujas iniciais são as imediatamente posteriores às da máquina) controla e sabota a nave Discovery em sua missão de exploração a uma enigmática placa negra que é vista no decorrer de toda a história. O embate entre homem e máquina e o discurso humanista que contamina toda a narrativa são, evidentemente, marcas do clima existente no final da década de 1960.

Ao mestre com carinho (EUA, 1967)
Filmado no ano anterior, o filme de James Clavell, que levou o ator negro Sidney Poitier ao estrelato, só poderia ter sido feito nos Estados Unidos numa época na qual o questionamento sobre o racismo estava no olho do furação das mobilizações que sacudiam o país. Apesar de se passar num bairro operário de Londres, a saga do professor negro e dos, inicialmente, “rebeldes sem causa” estudantes, é uma metáfora (um tanto lacrimejante, é verdade) para as mudanças nas relações raciais e sociais que estavam em curso, coisa que fica particularmente evidente no conteúdo das aulas que, abandonaram o burocrático programa curricular, mergulham em temas como sexo, família, comportamento, política, classes sociais etc.

Adivinhe quem vem para jantar (EUA, 1967)
Outra inesquecível contribuição de Sidney Poitier para a história do cinema e para o debate sobre o racismo. Dirigido por Stanley Kramer, o filme gira em torno do desconfortável jantar em que a filha de um rico e liberal proprietário de um jornal de São Francisco e sua mulher são confrontados pela filha quando ela leva seu namorado (um médico negro) e os pais dele para jantar (e anunciar o casamento). A hipocrisia do discurso liberal e as contradições da racista sociedade norte-americana explodem por todos os lados, em interpretações memoráveis.

O bandido da luz vermelha (Brasil, 1968)
Marco nacional das contradições imposta pelo ano de 1968, particularmente em um país onde se vivia o aprofundamento da ditadura, o filme dirigido por Rogério Sganzerla e considerado ícone do “Cinema Marginal”, é baseado na vida do famoso criminoso João Acácio Pereira da Costa, o "Bandido da Luz Vermelha". A forma utilizada para contar a violenta trajetória de João Acácio, serve como argumento para que o então jovem diretor (com apenas 22 anos) vasculhe de uma forma ultra interessante, os bastidores da mídia sensacionalista e outras tantas mazelas que circulam em torno e na raiz da criminalidade. A bela da tarde (França, 1967)Mergulhado no sempre surpreendente (e, muitas vezes, surrealista) universo do cineasta Luis Buñuel, o filme traz Catherine Deneuve no papel de uma entediada dona de casa de classe-média que, sem maiores explicações, decidi trabalhar diariamente, das 14 às 17 horas, num bordel onde se entrega à satisfação de suas fantasias sadomasoquistas.

Barbarella (EUA, 1968)
Talvez um dos mais deliciosos “delírios” da história do cinema, o filme foi estrelado pela, na época, engajada Jane Fonda – cuja militância anti-guerra e pró direitos civis, fez com que ele ganhasse o codinome de “Jane, a vermelha”, na imprensa conservadora. Barbarella é a ultra-sexy heroína intergalática no século 41 (!!!) destinada a salvar o universo de uma guerra final. Bonnie e Clyde: uma rajada de balas (EUA, 1967)Exemplo de que os filmes sempre falam muito mais sobre o contexto de sua produção do que sobre a época que eles retratam, o filme dirigido por Arthur Penn traz Warren Beatty e Faye Dunaway nos papéis do casal de assaltantes que se tornou famoso nos anos 1930. O filme tem a “Grande Depressão” como pano de fundo e uma narrativa inegavelmente simpática em relação aos “bandidos”.

Fahrenheit 451 (França, 1966)
Rodado dois anos antes da rebelião juvenil, o filme – adaptado do romance homônimo de Ray Bradbury e dirigido por François Truffaut –, o filme se passa num futuro hipotético, no qual os livros e toda forma de escrita são proibidos por um regime totalitário, sob o argumento de que eles fazem as pessoas infelizes e improdutivas. Quando alguém é flagrado lendo é preso e "reeducado". Se uma casa tem muitos livros e um vizinho denuncia, os "bombeiros" são chamados para incendiá-la. Daí o título: “fahrenheit 451” é a temperatura necessária para incinerar o papel. O conflito se estabelece quando um destes “bombeiros” se apaixona pelos livros que deveria incendiar, é levado a rebelar-se contra o sistema que defendia e começa uma fuga que o levará a conhecer outros como ele que vivem em comunidades de “homens-livros”, que assumem, literalmente, a personalidade de uma das grandes obras mundiais para poder mantê-las vivas. Marco fundamental da crítica à industrialização e padronização da cultura e a mediocritização generalizada, o filme, em muito, ajudou a inflamar corações e mentes da época.

“If...” (Inglaterra, 1968)
Dirigido por Lindsay Anderson, em meio aos ventos rebeldes e revolucionários do Maio de 68, o filme, cuja título é “Se..” é, em muitos sentidos uma das produções culturais mais radicais que resultou daquele contexto histórico. Subvertendo completamente a típica narrativa baseada na difícil convivência da diversidade nas elitizadas escolas britânicas, o filme apresenta Malcolm McDowell (que depois seria imortalizado por seu desempenho no também “polêmico” Laranja mecânica) como líder de uma grupo de jovens que, por diversas razôes – ideológicas, sexuais, sociais etc. – se rebelam contra o sistema opressivo de sua escola. A poética radicalidade desta rebelião fez com que o filme, apesar de premiado em Cannes, tenha sofrido forte censura mundo afora.

Partner (Itália, 1968)
Realizado durante o auge do movimento estudantil de 1968, Partner é um dos filmes mais radicais do cineasta italiano Bernardo Bertolucci. Baseando-se livremente no livro “O duplo” (1846), do genial Fiódor Dostoiévski, o filme conta a história de Jacob, um estudante com idéias revolucionárias cuja existência solitária é abalada pelo aparecimento de seu duplo, que o incentiva a ter um maior engajamento político. Exemplo do que se convencional chamar de “filme-manifesto”, a obra de Bertolucci navega livre e belamente pelas teorias de Karl Marx, Sigmund Freud e Jean-Luc Godard e uns tantos outros pensadores e realizadores que marcaram a geração de 1968. A chinesa (França, 1967)Considerado um dos melhores e mais radicais filmes do cineasta francês Jean-Luc Godard, o filme é quase “profético” em relação ao Maio de 68, na medida em que coloca em cena um grupo de estudantes que planeja ações terroristas com o mesmo entusiasmo que discute temas como o “Livro Vermelho” de Mao, a Revolução Chinesa e o socialismo.

A primeira noite de um homem (EUA, 1967)
No início de 1968, os jovens do mundo inteiro ainda estavam encantados com o filme de Mike Nichols, estrelado por Anne Bancroft e Dustin Hoffman e musicado por Paul Simon e Arthur Garfunkel. Nele, o recém formado estudante volta para sua casa e família burguesas cheio das indecisões, contradições e questionamentos que tumultuavam as cabeças dos jovens de sua geração. O fato de envolver-se amorosamente com a complicadíssima Sra. Robinson e, quase que simultaneamente, com sua filha, já jogam mais lenha nesta fogueira.

A sociedade do espetáculo (França, 1967)
Concebido a partir do texto mais famoso de Guy Dubord, publicado em 1967, o filme expressa as principais idéias da Internacional Situacionista, o movimento político cultural que procurava organizar as diversas formas de vanguarda na rebelião de 68. Nele, o foco central é o papel dos meios de comunicação na massificação e dominação das sociedades modernas.

Teorema (Itália, 1968)
Considerado uma das mais radicais obras do período e uma dos filmes mais importantes do cineasta Pier Paolo Pasolini – cuja aberta homossexualidade e militância comunista o colocava no centro dos debates de 1968 –, Teorema traz Terence Stamp no papel de um estranho e inusitado visitante que, chegando à mansão de uma família burguesa – cada qual representante metafórico de uma instituição ou segmento social da Itália –, destrói todas as convenções e certezas ao seduzir, um a um, todos os seus membros: pai, mãe, filho, filha e, até mesmo, a empregada da casa, cujo final reflete a importância que Pasolini dava às camadas mais exploradas do país. No ano seguinte, Pasolini ainda realizaria Pocilga, uma visceral metáfora à rebelião juvenil de 68, na qual um dos personagens centrais rebela-se contra a sociedade, sua família burguesa, seu pai autoritário, as convenções sexuais e sociais, fazendo ecoar uma frase que, de forma radical, expressa a essência do significado de 1968 para toda uma geração: “eu matei meu pai, bebi seu sangue e tremo de alegria”.

O que ver sobre 1968

Corações e mentes (EUA, 1974)
Documentário dirigido por Peter Davis que marcou época na história do cinema ao levar para as telas uma cáustica análise sobre a Guerra do Vietnã, a partir de uma brilhante edição de imagens da guerra e entrevistas com pessoas de ambos os lados no conflito – ex-combatentes norte-americanos e sobreviventes vietnamitas. Nas entrevistas, além de comoventes depoimentos, brotam questões que vão do racismo ao autoritarismo, da crueldade da guerra aos dramas pessoais.

Edukators (Alemanha/Áustria, 2004)
Dirigido por Hasn Weingarther e estrelado por Daniel Brühl (do também excelente “Adeus, Lenin!”), o filme acompanha as desventuras de um grupo de jovens que se autodenominam “educadores” e promovem um inusitado tipo de protesto: invadir mansões burguesas e, sem roubar nada, desarrumar toda a mobília, rearranjando-a de maneira bizarra, deixando apenas pichações e bilhetes com frases como “Seus dias de fartura estão contados” ou “Todo coração é uma célula revolucionária”. Metáfora para uma época em que a rebelião juvenil e seu inerente desejo de “reordenar o mundo” perdem-se ou distorcem-se em meio aos ataques da ideologia neoliberal, o filme promove (de forma também inesperada) o “encontro” entre estes jovens e um burguês que, arvorando-se de seu passado como revolucionário, em 1968, tenta convencê-los da inutilidade de sua rebeldia.

Hair (EUA, 1979)
Um dos mais belos e emocionantes musicais de todos os tempos. Dirigido por Milos Forman – com roteiro baseado em espetáculo homônimo da Broadway, escrito por de Gerome Ragni e James Rado, lançado exatamente em 1968 –, o filme narra a trajetória de Claude, um jovem interiorano que, de passagem por Nova York, um dia antes de se alistar para a ir a Guerra do Vietnã, conhece um grupo de hippies, com os quais passa a conviver e com quem aprende a ver o outro lado da guerra e da própria vida. O filme traz algumas música que se tornaram verdadeiros hinos da contracultura, como “Let the Sunshine In” e “Aquarius”.

Hércules 56 (Brasil, 2006)
Documentário dirigido por Silvio Da-Rin sobre a luta armada contra o regime militar, focado no seqüestro do embaixador Charles Elbrick, ocorrido na semana da Independência de 1969. Em troca do diplomata, foi exigida a divulgação de um manifesto revolucionário e a libertação de 15 presos políticos, representantes de todas as tendências que combatiam a ditadura. Banidos do território nacional e com a nacionalidade cassada, foram conduzidos ao México no avião da FAB Hércules 56.

A insustentável leveza do ser (EUA, 1988)
Baseado no belíssimo romance de Milan Kundera, o filme de Phillip Kaufman é contextualizado na Tchecoslováquia, durante a Primavera de Praga. A narrativa acompanha a trajetória de um jovem cirurgião e seu sempre conturbado relacionamento com duas mulheres, a interiorana esposa e a ousada artista plástica, que servem como metáforas para a encruzilhada em que o país se encontrava.

Panteras negras (EUA, 1995)
Dirigido pelo cineasta negro Mario Van Peebles, o filme faz um excelente resgate da história do mais radical dos grupos norte-americanos que se organizaram para combater o racismo, da sua criação, em 1967, em Oakland, na Califórnia – quando Huey Newton e Bobby Seale formam um novo partido dedicado a proteger os negros das violentas arbitrariedades dos policiais brancos – até o início dos criminosos ataques, que envolveram do FBI à elite conservador, e provocaram sua dispersão.

Os sonhadores (EUA/França/Itália, 2003)
Exemplo de como, ao voltar-se para o passado, o cinema carrega as tensões e marcas do momento em que os filmes são feitos, o belíssimo filme de Bernardo Bertolucci, narra a trajetória de Matthew, um jovem norte-americano que, em 1968, vai estudar em Paris. Lá ele conhece os irmãos gêmeos Isabelle e Theo. O complexo relacionamento entre eles tem como pano de fundo e “motor” a efervescência política, cultural e comportamental que varre as ruas de Paris durante a rebelião estudantil em maio de 1968. Embalados pelas palavras de ordem que decoravam os muros da cidade, dentre elas a que dizia “Toda petição é um poema, todo poema é uma petição”, os jovens seguem por uma trajetória cujos desdobramentos, tanto nas vidas dos personagens quando no próprio desenrolar da história, é embalada por uma das mais belas canções de Edith Piaf, “Je ne regrette rien” (Eu não me arrependo de nada), como um lembrete de que nada daquilo foi em vão.

Zabriskie Point (EUA, 1970)
Dirigido pelo italiano Michelangelo Antonioni – que também esteve à frente, em 1966, de “Blow Up”, outro marco do cinema – o filme tem como tema o movimento contracultural nos EUA na época. A narrativa e estrutura do filme, ainda profundamente marcadas pelo “calor do momento”, acompanham a história de um jovem casal, uma jovem secretária idealista e um militante radical, e seus embates com o sistema. O título faz uma referência ao monumento natural Zabriskie Point, no Vale da Morte, na Califórnia, EUA. A trilha sonora inclui músicas de alguns dos principais ícones da época, como Pink Floyd, The Youngbloods, The Kaleidoscope, Jerry Garcia, Patti Page e Grateful Dead .

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