terça-feira, 20 de maio de 2008

Rede globo: a hipocrisia em horário nobre!

Rede Globo, a rapaziada, a alegria da burguesia e a pseudo-coincidência
Por Mariana Vedder (UFF/Observatório da Indústria Cultural)
E Vamos à luta

Eu acredito é na rapaziada
Que segue em frente e segura o rojão
Eu ponho fé é na fé da moçada
Que não foge da fera e enfrenta o leão
Eu vou à luta com essa juventude
Que não corre da raia a troco de nada
Eu vou no bloco dessa mocidade
Que não tá na saudade e constrói
A manhã desejada
Aquele que sabe que é negro o coro da gente
E segura a batida da vida o ano inteiro
Aquele que sabe o sufoco de um jogo tão duro
E apesar dos pesares ainda se orgulha de ser brasileiro
Aquele que sai da batalha
Entra no botequim, pede uma cerva gelada
E agita na mesa logo uma batucada
Aquele que manda o pagode
E sacode a poeira suada da luta e faz a brincadeira
Pois o resto é besteira
E nós estamos pelaí...
Gonzaguinha

Era final de período e os militantes do Movimento Estudantil das Universidades Federais de todo o Brasil estavam preocupados com o futuro de suas instituições de ensino. Mais um decreto do governo Lula, e que dizia expandir vagas, democratizar o ensino, atender aos anseios da sociedade. Porém, na verdade, só pretendia aprofundar ainda mais o sucateamento dessas universidades. Muitas já em estado totalmente precário.Uma noite dessas, me preparando para sair de casa, a televisão estava ligada. Bem no horário da novela das oito. Eis que vejo um grupo de pessoas (?) que pareciam estudantes/militantes incendiando uma escola e chamando a polícia para a briga. Pensei: Mas o que é isso? É o apocalipse? Não, não era o apocalipse, era uma "invasão" da reitoria da universidade particular Pessoa de Moraes, que tem como dona a personagem de Susana Vieira. Lembrei-me de um outro capítulo no qual José Wilker, importante e conhecido pedagogo da trama, durante uma conversa aparentemente informal, dava "aulas" sobre qual a solução para a educação no país. E adivinham o que ele disse? Claro, que a solução era privatizar, promover parcerias com a iniciativa privada, pois tudo o que é público não vai para frente. Pode-se claramente notar que isso não é coincidência.
Enquanto isso, no Brasil, mais de 20 reitorias de universidades federais estavam ocupadas por militantes que lutavam por democracia. Pelo simples direito de voz e voto da comunidade universitária no caso da votação do decreto/projeto do REUNI (Projeto de expansão e reestruturação das universidades federais). E a reitoria da universidade Pessoa de Moraes estava sendo "invadida" por militantes que também lutavam pelo direito de voto, pois o novo reitor havia sido indicado pela dona da instituição. O antigo reitor era marido da personagem, por esse motivo, com a morte dele, Branca Pessoa de Moraes (Susana Vieira), se sentiu livre para indicar quem seria o novo reitor. Uma espécie de Big Brother, no qual o novo líder seria "sugerido" pela Grande Irmã.
No entanto, a diferença entre os militantes da novela e os da "vida real" é que os estereótipos promovidos pela grande mídia são uma constante. Os militantes da vida real apanharam da polícia, foram reprimidos. E os da novela? Quebraram tudo, atearam fogo em pneus e destruíram parte do prédio da universidade. E, além disso, chamaram a polícia para a briga. Gostaria muito de saber qual é o militante que gosta de apanhar. Fato estranho. Mas falando de vandalismo, podemos fazer um balanço dos prejuízos de todas as reitorias de todas as federais que foram ocupadas. Com certeza não chegam aos pés dos prejuízos causados pelos "militantes" criados pela Rede Globo.
Não poderíamos esperar algo muito diferente disso, pois como disse Gramsci:"Os jornais do capitalismo fazem vibrar todas as cordas dos sentimentos pequeno-burgueses; e são estes jornais que asseguram à existência do capitalismo o consenso e a força física dos pequeno-burgueses."É claro que não estamos falando de jornais especificamente, mas essa citação de Gramsci pode ser aplicada a praticamente todos os produtos das corporações midiáticas e de seus idealizadores. É de inteira responsabilidade dessas pessoas a manutenção e afirmação do preconceito para com os membros de qualquer movimento social. Os ataques dessa novela não se dirigem apenas aos estudantes, mas também ao Movimento Negro, aos gays, aos moradores de favelas que, notoriamente, não se reconhecem na Portelinha.
Mas o pior ainda estava por vir. Nos capítulos mais recentes dessa completa maldade televisiva, o alvo tem sido apontado ao pseudo-militante estudantil da universidade em questão. O garoto, que é negro, está movendo um processo contra o reitor da Pessoa de Moraes, personagem de José Wilker, por racismo. Gravou uma conversa entre os dois na qual o reitor chamava o rapaz de zumbi. Então, o militante que nunca aparece nas aulas, que destrói a universidade onde estuda, que agride verbalmente a dona da instituição, chamando-a de fascista toda vez em que a encontra, de repente resolve "se vingar" de um reitor que jamais foi eleito. Como se os membros de movimentos sociais fossem capaz de tal insanidade. É muito descaramento. A imagem do militante (tanto do movimento negro quanto estudantil) construída nessa trama é impressionantemente manipulada e grotesca. De uma inteira falta de dignidade até.Outro fato muito curioso é que só nessa novela o reitor dá aulas. Desconheço outra universidade onde isso ocorre. E o mais inusitado: dá cursos de férias gratuitos para os moradores da favela. Favela esta, controlada por Juvenal Antena (Antonio Fagundes), amigo do reitor e da dona da universidade. Não estou, no caso, criticando a atitude do personagem. Contudo, não consigo ver qualquer semelhança com a realidade das universidades particulares do país. É como se a telenovela fizesse questão de não representar mesmo a realidade. Como se estivesse à margem da realidade social e cultural brasileira. E o pior, como se tivesse orgulho disso. Afinal de contas, o espaço público não é pra ser plural, democrático e representar os mais diversos setores da sociedade? Parece que os "cabeças" da TV Globo não conhecem muito bem as regras de uma concessão pública.
Vale lembrar que, neste ano de 2008, teremos uma ilustre comemoração: os 40 anos do Maio de 1968! Temos muito o que comemorar, principalmente pela inspiração que os acontecimentos da França de 1968 nos traz a cada dia de reflexão e luta por uma universidade, um país e um mundo melhor. E, é claro, esse acontecimento jamais poderia passar em branco pelos olhos da poderosa mídia opressora. Embora seja pelo motivo contrário do nosso, que lembramos com orgulho pelas vitórias alcançadas e com tristeza pelo sofrimento de muitos militantes da época, os donos da comunicação hegemônica logo encontraram um jeito de disputar o sentido desse importante marco na nossa história. Como já disse, não pode ser coincidência. Estudantes ocupando reitorias, tomando ruas, praças avenidas e o que mais tiver para ser tomado; comemorações do Maio de 1968 em 2008; os 90 Anos da Revolução Russa de 1917 lembrados no ano passado. Só poderiam mesmo contra-atacar. E da forma mais perversa possível, pois nossa réplica é desigual. Enquanto a TV Globo alcança cerca de 97% do território nacional, pouquíssimos cidadãos têm acesso à internet ou a meios contra-hegêmonicos que possam trazer concepções diferentes de sociedade.
Eu acredito é na rapaziada. É assim que a trama se inicia todos os dias. Mas eu jamais pude entender quem faz parte dessa rapaziada. De quem eles estão falando quando dizem que adreditam? Confesso que às vezes perco as esperanças por refletir sobre isso, pois a "rapaziada" que a Rede Globo diz acreditar está longe de se parecer com a rapaziada na qual o Movimento Estudantil acredita.
Talvez, a rapaziada que a emissora acredita, assim como todas as organizações midiáticas burguesas, seja a mesma que matou tanta gente no período da ditadura militar; que mata inocentes na guerra do Iraque; que oprime os moradores de favelas e venera o BOPE; que faz questão de produzir sempre mais do mesmo na televisão e em todos os outros meios por eles controlados, ao invés de abrir espaço para a diversidade; etc. Poderíamos encher um livro com exemplos desse tipo. O complicado nisso tudo, é que atitudes como essa não acontecem pela primeira vez. E não deixarão de acontecer até que o poderio da mídia fascista deixe de existir.Mas nós, sim, acreditamos na rapaziada! A rapaziada que vai mudar essa história.

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